Os fidalgos do Sistema Nacional de Proteção Civil

Ex.mos Senhores

A Proteção Civil em Portugal é uma atividade sem rumo devido às mais diversas indefinições legislativas, nomeadamente a tipificação dos territórios face aos perigos e riscos, sua inerente estrutura de proteção civil adequada à classificação de riscos e, um inerente quadro técnico de proteção civil nos serviços municipais de proteção civil e nas unidades locais de proteção civil.

Por outro lado, a indefinição da carreira dos técnicos de proteção civil, não só acentua o problema, como possibilita que os autarcas nomeiem com base no amiguismo e partidarismo ao invés de nomearem pela competência, existindo como coordenadores municipais de proteção civil e outras funções acessórias, as mais diversas respeitáveis profissões, mas que em nada se relacionam com proteção civil.

Existem em Portugal técnicos de proteção civil de nível 4, 5, 6…, mas o que temos na maioria dos casos no planeamento, gestão, sensibilização e logística das operações, são Bombeiros, músicos, filósofos, sociólogos, taxistas, maçons, …

Na atualidade os serviços de proteção civil recordam-nos os tempos das ex colónias portuguesas em que, o Conde de Lippe, determinou, em 16 de Fevereiro de 1764, “(…) Que de ora em diante, todo o sargento que nas mostras responda pela Companhia e que pela natureza do seu encargo deve saber ler e escrever corretamente porque o oficial Comandante da mesma pode não o saber, por ser fidalgo”. Pois bem, a proteção civil não se coaduna com fidalgos que não saibam ler e escrever corretamente as linhas orientadoras das atividades de proteção dos civis, seus bens e outros seres vivos. A proteção civil não pode ser o último reduto de quem não têm outras competências ou mesmo de trampolim para o patamar seguinte. Os cargos de proteção civil devem possibilitar que aqueles que estudaram proteção civil coloquem os seus saberes em prática e acumulem saberes, não devendo a segurança coletiva dos cidadãos ser deixada à mercê da sorte e mero empirismo ou posto temporário de ascensão  que pode ou não resultar e agravar a dimensão dos desastres ou mesmo determinar a dimensão de catástrofe.

A atual estrutura de proteção civil é uma estrutura começada pelo telhado, sem alicerces e sem pilares, sendo por isso um telhado no chão e sem qualquer utilidade para os humanos. A estrutura governamental de proteção civil foi pensada para ser uma casa de generais sem tropas, partidariamente escolhidos, ao invés de uma estrutura pensada das bases, ou seja, pensada no envolvimento dos cidadãos nas atividades de proteção civil, apostando tudo nisso por se saber que é menos dispendioso para o país investir em prevenção e mitigação, do que o custo pornográfico dos negócios em torno da intervenção e recuperação. Temos, portanto, um sistema que ao invés do nosso vizinho do lado que presta “Atención Al Ciudadano”, em Portugal toda a atenção está centrada na carreira dos amigos do partido, seja lá o que está agora no governo ou quaisquer outros que anteriormente lá tenham estado, tornando o Sistema Nacional de Proteção Civil algo absolutamente imoral quando deveria mesmo ser um direito fundamental constitucionalmente consagrado. Ao invés disso, temos um Sistema Nacional de Proteção Civil dominado por fidalgos e, onde os técnicos de proteção civil são em muitos casos meros serviçais desses fidalgos, por determinação do autarca.

Deve existir uma orgânica de Proteção Civil que defina em função do território e seus perigos e riscos, quantos técnicos de proteção civil de diferentes níveis deve ter e, falamos de técnicos de proteção civil porque, nem o técnico de proteção civil tem de perceber de mangueiras e corpos chupadores, nem o Bombeiro (com o devido respeito pela profissão) tem de saber planear, sensibilizar, formar, preparar, mitigar e gerir uma operação de logística de apoio às operações, porque o Bombeiro é o especialista da linha da frente, o “first responder“.

Outra grave lacuna é a desvalorização das células de apoio à decisão, geralmente a célula de planeamento do Sistema de Gestão de Operações não é implementada. Há municípios que ainda nem Serviço Municipal de Proteção Civil têm constituído e, freguesias com riscos elevados de determinadas géneses (por exemplo Algés e as suas cheias) sem Planos Locais de Emergência (PLE) e, sem Unidades Locais de Proteção Civil.

O estado atual do Sistema Nacional de Proteção Civil é totalmente extemporâneo e responsável por prejuízos e perdas de vidas evitáveis, mas enquanto isso os amigos têm empregos e tachos e, há técnicos de proteção civil no desemprego ou em profissões que em nada se relacionam com a sua área. O que não falta por aí são licenciados em proteção civil como bombeiros e Bombeiros a exercer funções de técnicos de proteção civil em serviços municipais de proteção civil.

O Bombeiro é o técnico de operações de proteção e socorro e, o técnico de proteção civil não é isso, mas quando a Lei de Bases de Proteção Civil faz uma simbiose de proteção civil com com operações de socorro ao invés de as distinguir e valorizar instala-se a confusão e o caos. Ao que parece o único modelo correto neste âmbito ainda é o da Guarda Nacional Republicana que, não tem uma Unidade de Emergência de Proteção Civil, mas sim uma Unidade de Emergência de Proteção e Socorro, porque naquela casa sabem que embora as operações de socorro sejam parte da proteção civil, a proteção civil não se resume às operações de socorro.