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CARTA ABERTA | PROTEÇÃO CIVIL | DIFUSÃO CELULAR | ALERTA SMS

Excelentíssimo Senhor Presidente da República Portuguesa
Excelentíssimo Senhor Presidente da Região Autónoma da Madeira
Excelentíssimo Senhor Presidente da Região Autónoma dos Açores
Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República
Excelentíssimo Senhor Primeiro-Ministro de Portugal
Excelentíssima Senhora Provedora de Justiça
Excelentíssimos membros dos grupos parlamentares da Assembleia da República Portuguesa, e das Regiões Autónomas de Portugal
Caras e caros concidadãos

Os incêndios de 2017 e suas consequências dispensam notas introdutórias e, apesar de tudo o que é conhecido, o Governo de Portugal continua a agir de forma irresponsável e, diríamos mesmo, de forma corresponsável pela morte de inúmeros cidadãos, pois, se até 2017 se podia alegar o desconhecimento, desde então que se algo não pode ser alegado é o desconhecimento sobre o que a ciência e a tecnologia apontam como contributos para as soluções que possibilitam salvar vidas, mas que têm sido ignoradas, em especial no que respeita à forma de aviso imediato dos cidadãos em perigo.

Pode a APROSOC – Associação de Proteção Civil, afirmar que, após 2017, e apesar de já terem voltado a ocorrer mortes nos incêndios, face a situações de perigo imediato, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), não emitiu um único SMS dirigido a uma qualquer aldeia em perigo contendo recomendações imediatas de autoproteção face àquele perigo, fosse no sentido da evacuação, da permanência nas habitações, ou mesmo para se dirigirem a um abrigo ou refúgio, e por isso algumas dessas pessoas acabaram por sofrer ferimentos ou a morte. Tal acontece porque a ANEPC não dispõe das ferramentas necessárias para o efeito.

O Programa Aldeias Seguras, Pessoas Seguras, faz crer que as pessoas serão avisadas por SMS, contudo esse SMS nunca foi emitido até então, nunca chegou e tal como tudo está nunca chegará.

Por outro lado, existe sempre a possibilidade de o SMS não ser recebido, por exemplo porque os cabos de telecomunicações que ligam as estações retransmissoras da rede de telemóvel arderam; ou porque a zona não tem cobertura da rede de telemóvel, ou porque a cobertura só existe fora das habitações.

Existe também a possibilidade de o cidadão recetor não saber ler, ou ser deficiente visual e não conseguir ler.

Preocupa-nos especialmente o facto de o SMS poder chegar tarde demais, já que, sendo um SMS pode demorar minutos ou até horas a chegar, o que não aconteceria se o país dispusesse de um sistema “Cell Broadcat for public warning”, em que, independentemente da rede usada, todo o cidadão na área de cobertura selecionada na consola pelos serviços de proteção civil recebem a mensagem, se para isso a cobertura de rede de telemóvel chegar a todos os terminais de telemóvel nessa área, o que não é uma realidade em Portugal.

As redes de telemóvel em Portugal pouco evoluíram na cobertura do território, temos zonas onde o 5G já chegou, e zonas onde o 2G ainda não existe e, todos nós enquanto cidadãos e vossas excelências enquanto juristas, assistimos impávidos e serenos, conscientes de que tal situação contribui não apenas nos incêndios, mas em inúmeras outras emergências (médicas, policiais ou de salvamento), o socorro não chegue a tempo de salvar ou nunca chegue e as vítimas sejam encontradas mais tarde já sem vida.

Todos conhecemos histórias de pessoas que se perderam num passeio e não conseguiram pedir ajuda por não haver rede de telemóvel, de trabalhadores rurais que sofreram doenças súbitas e não conseguiram pedir socorro porque a zona não tinha cobertura de rede de telemóvel, de cidadãos que apareceram mortos em casa e se constata que a cobertura da rede de telemóvel no interior da habitação não existia, em alguns casos estas pessoas são encontradas de telemóvel na mão ou próximo do local em que colapsaram, sendo que estes factos podem ser corroborados por inúmeros profissionais dos serviços de emergência.

A questão que se coloca aos digníssimos destinatários desta carta aberta é:

Porque espera o senhor Presidente da República, para pôr cobro a esta situação que leva a vida a inúmeros cidadãos que ao invés de Vossa Excelência não tem o privilégio de ter acesso a um telefone via satélite e proteção especial?

Porque espera o Sr. Primeiro-Ministro e, os Senhores Presidentes das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, para denotar algum respeito pelas portuguesas e pelos portugueses que os elegeram e tomar a iniciativa de replicar o sistema de alerta mais eficiente já implementado em países como: Espanha, Sri Lanka, Japão, Holanda, Lituânia, Peru, Chile,  EUA, Taiwan, Coreia do Sul, Rússia,  Filipinas, Emirados Árabes Unidos, Nova Zelândia, Roménia, Canadá, Omã,  Grécia, Hong Kong, Itália, Reino Unido, Dinamarca, França, Equador , Porto Rico, Catar,  Arábia saudita , Bahamas, Ucrânia, Ilhas Virgens dos Estados Unidos e tantos outros estão em vias de implementar?

Porque espera a Senhora Procuradora-Geral da República, para proceder judicialmente contra os decisores políticos que por inércia ou inépcia serão corresponsáveis por ferimentos, sequelas permanentes ou mesmo mortes?

Porque espera a Senhora Provedora de Justiça, para defender os interesses do cidadão nesta matéria do conhecimento público e por demais evidente?

Porque esperam os membros dos grupos parlamentares da Assembleia da República Portuguesa, para honrar a confiança das portuguesas e dos portugueses que em V. Exas depositaram os seus votos?

Porque esperam as cidadãs e os cidadãos deste magnífico país, para instar os seus eleitos a agir consentaneamente com as mordomias que os contribuintes lhes proporcionam?

Aqui enumeramos algumas das vantagens do Cell Broadcast:

  • Os alertas de emergência são enviados para todas as redes móveis 2G, 3G, 4G e 5G, possibilitando assim também chegar a diferentes áreas de cobertura atendendo às diferentes características de propagação e comprimentos de onda das diferentes frequências.
  • O envio de alertas por Cell Broadcast não causam saturação na rede móvel e não são afetados pela saturação das redes móveis. Quando os dados móveis, SMS e chamadas não funcionam, o Cell Broadcast continua a funcionar.
  • Os alertas são recebidos de acordo com a localização do cidadão no momento.
  • Nenhuma informação pessoal (como número de telefone, identidade ou localização) é usada no envio de qualquer Alerta de Emergência.
  • Envio para visitantes de outros países na região afetada, no idioma desejado.
  •  Quase em tempo real (4 a 10 segundos) ao invés dos possíveis minutos ou horas no SMS.
  • Toque específico e vibração única.
  • Suporte de texto para voz para dispositivos Android, possibilitando alertar instantaneamente cidadãos com deficiência visual.
  • Repetição, Priorização.
  • Não é necessário ter cartão SIM inserido no telemóvel para receber estes alertas.
  • Usando geo-fencing em dispositivos usando as redes 4G e 5G, o Cell Broadcast fornece precisão de GPS em mensagens de alerta de vários metros (WEA 3.0).

Até quando iremos continuar a desperdiçar milhões no envio de SMS que facilmente se comprova que não são adequados para esta função?

Em nossa modesta opinião, todos somos corresponsáveis por esta situação. Todos permitimos que os acionistas dos operadores privados de telecomunicações nos retirem milhões em dividendos, investindo somente onde o negócio é mais lucrativo, alheando-se do pastor isolado numa qualquer serra ou vale de Portugal, sem o qual não poderiam degustar por exemplo o queijo que nos chega à mesa, e que, em muitos casos morre sozinho com um telemóvel no bolso ou na mão, porque ali não há rede para pedir socorro face a uma doença súbita.

Numa sociedade cada vez mais envelhecida, e onde uma expressiva percentagem dos cidadãos mora ou trabalha sozinho, a inação de quase todos nós, possa embora não ser criminalizada, será porventura criminosa.

Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, a APROSOC – Associação de Proteção Civil, vem pelo presente muito respeitosamente recomendar, a reorientação da investigação no sentido de, se apurar também a corresponsabilidade do Estado na omissão de auxílio, nos termos contemporâneos e eventualmente desajustados da atual redação do Artigo 200 do Código Penal.

A proteção civil começa em cada um de nós.

Com os melhores cumprimentos,

João Paulo Saraiva
Presidente da Direção

INCÊNDIO NA SERRA DA ESTRELA

É convicção desta Associação que,  uma subvalorização inicial da orografia do terreno, carga combustível e evolução das condições meteorológicas expectáveis, foi (em nossa convicção) conducente à insuficiente mobilização de meios no primeiro dia do incêndio que começou na Covilhã e rapidamente alastrou aos concelhos vizinhos.

O emprego de meios aéreos que na altura estavam disponíveis, aliado a uma maior mobilização de meios terrestres logo na fase inicial e seguintes, poderiam ter evitado que o incêndio atingisse a área entretanto ardida, bem como o acréscimo dos custos de mais dias de combate que poderiam ter sido evitados.

Por outro lado, a não implementação do Sistema de Gestão de Operações bem como dos Planos Municipais de Emergência em toda a sua plenitude com envolvimento das entidades deles constantes, contribuíram (em nossa convicção) fortemente para alguns dos constrangimentos sentidos no teatro de operações.

Nenhum incêndio nasce um “mega incêndio” e, um ataque inicial mais musculado em detrimento de crenças em ajudas divinas, poderia evitar dias de combate, desgaste e ferimentos nos operacionais, desgaste e perdas de meios de combate, bem como de património que em alguns casos leva anos a reconstruir e noutros jamais voltará a ser o que era.

Se uma ignição terá sempre responsáveis, uma incorreta análise pode determinar a dimensão do acidente grave ou até mesmo fazê-lo escalar para o patamar de catástrofe, não podendo o país continuar a assistir impávido e sereno a uma gestão politizada da proteção civil ao invés de uma gestão competente e responsável pela aplicação dos impostos dos contribuintes na segurança coletiva, entendendo-se por isso que deve ser investigada a eventual existência de responsabilidade criminal, ainda que por negligência na citada avaliação inicial bem como ao longo de toda a operação dos meios no terreno, de forma conducente a que tais erros se repitam no futuro.

Sugere-se ainda que se investigue se, face a estados de necessidade e apesar do preceituado no Artigo 35 do Código Penal, é aceitável que se aguarde por autorizações administrativas para o emprego de máquinas de rasto para cortar o caminho ao fogo, deixando-o evoluir para região montanhosa onde as máquinas de rasto não chegam.

Uma coisa é certa, os operacionais no terreno estão a dar o seu melhor, será que os decisores estão?

João Paulo Saraiva
Presidente da Direção

ALDEIAS SEGURAS (continuação)

  1. Em 2006 a Lei de Bases de Proteção Civil 27/2006 considera no seu artigo 43 a possibilidade de criação pelas comissões municipais de proteção civil de ULPC;
  2. Em 2007 a Lei 65/2007 que define o enquadramento institucional e operacional da proteção civil no âmbito municipal, estabelece a organização dos serviços municipais de proteção civil e, considera no seu artigo 8º as ULPC;
  3. Em 2015 através da Revisão da Lei de Bases de Proteção Civil, o Governo reconhece a existência de organizações de voluntariado de proteção civil de base particular e, em 2017 regulamenta-as através da portaria 91/2017;
  4. Em 2018, inspirado na recomendação da APROSOC para um programa “aldeias resilientes” o Governo cria à margem das ULPC e das OVPC o programa “Aldeias Seguras e Pessoas Seguras” criando assim uma carta fora do baralho, desincentivando assim em nossa opinião, a constituição e desenvolvimento das ULPC, naquilo que deviam ser também as suas funções no vasto leque de tarefas que lhes podem competir;
  5. Em 2019 na sequência de diversos apelos da APROSOC e não só, o Governo reforça através do Decreto-Lei 44/2019 a necessidade de se constituírem ULPC;
  6. Nenhuma destas ações governativas foi acompanhada do indispensável pacote financeiro, exceto no Programa Aldeias Seguras e Pessoas Seguras, a questão que se coloca nomeadamente aos tribunais competentes é, porquê?

Em nossa convicção os sucessivos governos têm sofrido de uma desorientação para a eficácia das respostas de proteção civil e, privilegiado negócios em detrimento de soluções que envolvam efetivamente os cidadãos, as empresas e as autarquias locais.

A falta de diálogo entre as estruturas da Administração Central do Estado, autárquica, local e as Organizações desinteressadamente dedicadas ao estudo e propostas conducentes a atividades de Proteção Civil proficientes, ou não existem, ou não são tidas em conta, dai resultando um conjunto de despautérios e aparentemente negociatas muito úteis a alguns interesses privados, mas funestas ao interesse público no que à proteção civil é atinente.

Não faz sentido algum este programa Aldeias Seguras e Pessoas Seguras se não for pelo marketing político, defendemos a criação obrigatória e o financiamento das ULPC, bem como o envolvimento das OVPC e, integração das tarefas desses programas nestas organizações.

Não faz qualquer sentido ter um programa que aborda somente uma das géneses dos riscos (os incêndios), quando existem inúmeras outras géneses de desastres. Fará sim todo o sentido que tudo isto seja pensado no âmbito da “disciplina” de proteção civil, sem excluir sequer a emergência médica a nível local, outra grave lacuna do nosso sistema cujo seu mau funcionamento faz regularmente vítimas, neste país de faz de conta que tudo está bem e seguro.

Artigo de Opinião
João Paulo Saraiva
Presidente da Direção