COMANDO NACIONAL OPERACIONAL DE BOMBEIROS

Para os que se questionam sobre a legitimidade do conjunto das Associações de Bombeiros ou quaisquer outras se organizarem como bem entenderem, gostaria de aqui recordar a redação do número 1 e 2 do Artigo 46 da Constituição da República Portuguesa…

“Constituição da República Portuguesa

PARTE I – Direitos e deveres fundamentais

TÍTULO II – Direitos, liberdades e garantias

CAPÍTULO I – Direitos, liberdades e garantias pessoais

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Artigo 46.º – (Liberdade de associação)

  1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.
    2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.”

Podemos criticar a forma como foi feito, mas não a legalidade com que foi feito e até apoiado pela mais alta figura de estado da República, pois tanto a Liga dos Bombeiros Portugueses, quanto as Associações de Bombeiros são na realidade Associações de direito privado e, não devem explicações à Administração Central do Estado sobre a forma como se organizam. Coisa diferente é esta decisão ser aceite pela estrutura do MAI e da ANEPC que criaram toda uma estrutura de “comando único” assente no amiguismo e partidarismo.

Uma coisa é o direito, outra é a chantagem da Administração Central do Estado impor condições às Associações para as financiar e, isso depende essencialmente da filosofia momentânea do Governo que governa o país no momento.

Claro que eu preferia ver antes uma unificação nacional das Associações de Bombeiros numa única Associação, pois até os Escuteiros têm uma tropa maior que os Bombeiros, já que os Bombeiros no conjunto de todas as Associações não ultrapassam os 30.000 e, só o Corpo Nacional de Escutas tem cerca de 70.000 Escuteiros.

Os defensores do Comando Nacional Operacional de Bombeiros têm aludido ao facto da GNR também ter um comando nacional, contudo, a GNR é uma entidade única com diferentes comando e destacamentos territoriais e, a realidade dos Bombeiros Associativos é muito diferente, são um conjunto de Associações e não uma única Associação.

Quanto à representatividade alegada pelo Presidente da Liga dos Bombeiros, nem a Liga representa os Bombeiros, porque os Bombeiros não têm direito de voto na Liga, porque os Bombeiros não elegeram os seus comandantes  mas sim apenas os dirigentes das Associações a que pertencem, logo a Liga representa os comandantes e dirigentes de Bombeiros e não os operacionais de cada corporação de Bombeiros.

Por outro lado, se a Liga tem alguma representatividade dos comandos e direções das Associações de Bombeiros, não tem representatividade sobre os Bombeiros Sapadores das Autarquias, pois nesse caso não são de direito privado, mas sim de direito público.

A questão coloca-se agora no âmbito operacional e em cima do início da época de maior incidência de incêndios, num ano que tem todas as condições para correr mal, atendendo à seca que o país atravessa devido à pouca água retida nos solos, previsibilidade de elevadas temperaturas acima dos 30ºC e umidade relativa do ar inferior a 30%, isto aliado à previsão de longos períodos de vento com velocidades superiores a 30Km/h, contudo, possibilita colocar a iniciativa à prova, mas, a autoridade pública não tem de reconhecer esta forma de organização privada, o que pode gerar constrangimentos.

Claro que na base de tudo isto está uma estrutura de comando da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), arrogante, prepotente, que se acham os donos disto tudo, que em muitos casos curricularmente de proteção civil pouco têm e, de Bombeiros foram apenas operacionais ou comandantes medíocres, medianos ou até distintos, populares e politicamente corretos, da cor que lhes proporciona a ascensão.

Tal como tudo está nem temos uma estrutura de socorro nem temos uma estrutura de proteção civil, já que a estrutura nacional de proteção civil está monopolizada por Bombeiros sem qualquer vocação para proteção civil possam embora até ter muita vocação como bombeiros.  Por este motivo esta estrutura está vocacionada essencialmente para a intervenção, porque de prevenção pouco percebe ou pelo menos pouco valoriza o excelente trabalho que dentro da ANEPC é realizado por técnicos superiores especializados em áreas com elevadíssima aplicabilidade em proteção civil e que vêm as suas propostas e recomendações fechadas durante décadas em gavetas, como aconteceu por exemplo com a Cell Broadcasting que esteve fechada desde 2010 e só por imposição Europeia e pressão da APROSOC vai finalmente ser implementada em 2023.

A ANEPC dispõe de técnicos competentíssimos, mas estes estão reféns dos interesses instalados no lóbi dos Bombeiros que por ausência de competências em Proteção Civil não permitem a implementação de tudo o que à proteção civil é atinente.

Retirar à ANEPC o “comando” ou a gestão operacional de tropas que não são suas, bem como retirar os Bombeiros da ANEPC, fará com que a ANEPC se dedique para aquilo que deve ser o cerne da sua atividade, a prevenção, a preparação dos cidadãos e das comunidades no âmbito da autoproteção, a gestão de emergência, o planeamento estratégico de emergência, a produção de documentação técnica, bem como a reserva operacional estratégica de emergência do estado, ou seja, meios aéreos e meios pesados para complementaridade da capacidade do Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro, face a situações de Acidente Grave ou Catástrofe.

Nem mesmo a Força Especial de Proteção Civil faz sentido na atual configuração, pois é mais uma força de Bombeiros e com operacionais oriundos das corporações de Bombeiros (concorrendo aqui a ANEPC com as associações de Bombeiros retirando-lhes recursos humanos). Esta força deve ser reconvertida para operação dos meios de reserva estratégica e nunca como primeira linha seja onde for, pois deste modo retira-se capacidade às corporações de Bombeiros.

Outra improficuidade do sistema é o facto de muitos Bombeiros ainda não serem profissionais, o que faz depender o socorro de voluntários. Advogo aqui que, 90% dos Bombeiros deveriam ser profissionais e, apenas uma quota de 10% deveriam ser voluntários, isto geraria mais emprego em funções indispensáveis ao país, mais estabilidade profissional e familiar aos Bombeiros e, poria fim ao regime de escravatura e precariedade laboral que viola claramente a Lei 71/98 (Lei de Bases do Enquadramento Jurídico do Voluntariado) bem como o novo código do Trabalho de 2023.

É ainda indispensável que os Bombeiros tenham uma carreira de nível 3 ao nível 8 académico, só assim deixaremos de ter esta inversão em que a proteção civil está monopolizada por Bombeiros que de proteção civil pouco ou nada fazem, enquanto nos Bombeiros falta mão de obra com quadros médios e superiores qualificados, para tal, é necessário que exista uma escola politécnica de Bombeiros, tal como já existem para a área da Proteção Civil.

Enquanto continuarmos a confundir Bombeiros com Proteção Civil, nem temos Bombeiros nem temos Proteção Civil e, o principal agente de proteção civil continuará a ser assente na convicção do poder divino de uma senhora que alegadamente terá aparecido em cima de uma oliveira ali para os lados de Fátima.

O esvaziar de algumas atribuições da ANEPC trará em minha convicção alguma proficuidade àquela estrutura no âmbito da proteção civil, mas também o fim da arrogância e prepotência atual, potenciando assim melhores relações com a sociedade civil organizada.

Talvez assim deixemos de ter na estrutura de comando da ANEPC elementos com licenciaturas por equivalência, que nem quadro de comando de corpo de Bombeiros foram, e que assumem por exemplo pastas como a dos meios aéreos, talvez por equivalência de em crianças terem construído aviões com peças de lego.

Também algumas Organizações de Voluntariado de Proteção Civil ponderam agora a  constituição de um comando nacional, isto pode ser apenas o início de um novo grande ciclo de mudança no paradigma da proteção civil e socorro em Portugal, ou não!

João Paulo Saraiva
Presidente da Direção